A Puberdade

As primeiras borbulhas, os primeiros pêlos pubianos, o projecto de barba, acompanham uma crescente vontade de satisfazer os anseios carnais cada vez mais familiares e que quando não satisfeitos se vingam em sonhos húmidos sem controlo e sem licença.
Procuro ajuda nos amigos a braços com problema idêntico, reprimo o desejo em orações, peço perdão pelos pecados, mas o problema está lá e vejo-me a desejar as beatas que enfeitam a capela, as empregadas da copa e tenho pensamentos eróticos com a Bicos - chefe do pessoal feminino, célebre entre os alunos mais espigadotes pelo formato que o seio farto adquire por força de soutien bicudo e que desperta as mais incríveis fantasias contadas em surdina entre vizinhos de camarata.
Tudo isto afogado, literalmente, nas masturbações no banho semanal, onde por vezes conseguíamos introduzir banda desenhada, como a da Lola ou melhor ainda uma literatura de cordel com as aventuras do Pedrinho, um adolescente bem abonado que fazia as delícias de mulheres quarentonas. E eu imaginava-me na pele deste herói e ia desgastando a vareta, ia dando fio à estrela, ia esganando o passarinho, tocando uma pívea, fazendo uma segóvia, tudo calões para indicar a mesma coisa: tocar ao bicho!
Recordo que num retiro espiritual em Cortegaça onde passamos uns dias em recolhimento e oração, havia uma leitura durante as refeições que era passada em Segóvia, uma terra presumo que espanhola. O que se tornava um constrangimento cada vez que aquele nome era pronunciado sendo difícil disfarçar o sorriso e troca de olhares cúmplices entre os miúdos para algum desespero do padre que assistia às refeições. O despertar dos sentidos sem ter uma explicação, sem uma palavra que tire o peso de tantas dúvidas.

E vejo-me a trocar sorrisos nas pistas de carrinhos de choque, ou junto das jukeboxs das barracas de matraquilhos, nas Fontaínhas, em rápidos fins de semana, ou nos bailaricos de S. João onde comecei a dar os primeiros passos de dança: o twist, o shake abanavam o meu corpo em ondas de liberdade e volúpia.
A primeira visita ao mundo bafiento, descolorido e decadente das putas, das putas tristes do Gabriel Garcia Marques, no meio de um punhado de marinheiros americanos que na rua Escura procuram um prazer que não existe, pois não imagino prazer no meio daquelas putas fora de prazo, espalhadas por bares avermelhados com uma banda sonora assinada pelo Nelson Ned, escarrapachadas em mesas sujas em posições que revelam a pobreza do corpo e a miséria da alma.
A segunda visita guiada por um colega do colégio em noite perto das férias do Natal. Fuga pelo largo portão ao fim da tarde com o destino planeado e marcado por ele, o Quim Valpedre. Joaquim de nome próprio, Valpedre por apelido já que vinha dessa terra perto de Penafiel onde o avô era proprietário de uma fábrica de queijos que ainda hoje existe. Relembro esta estória sempre que no supermercado procuro o meu queijo de bola e dou de caras com os queijos do avô do Quim. Mais velho e espigadote o Quim seguia o rasto duma aventura de outro amigo da terra dele o que nos levou para uma travessa da rua de Trás, ao lado dos Caldeireiros, outra zona de bas fond muito conhecida naquela época e que rivalizava com a rua Escura e a rua dos Pelames. Umas cervejitas para aquecer e porque a sabedoria de meia tigela dizia, na altura, que com umas cervejas no bucho um homem é capaz de se aguentar mais um bocado e fazer atrasar aquilo que as putas querem que aconteça o mais rápido possível.
Primeiro desaparece ele no meio da fumarada dos cigarros queimados em gestos nervosos de quem espera a sua vez. Pouco depois sou eu que subo as escadas poeirentas, atrás da mesma loira trintona que acabou de o aviar, com medo de me
encostar às paredes, não vá cair o resto do estuque esburacado.
O mesmo quarto, a mesma cama ainda quente, o mesmo corpo ainda suado, o mesmo enjoo, o mesmo bidé onde, com gestos mecanizados, ela me lava, assim eu pudesse lavar-me por dentro e tirar de mim a pergunta:
- O que estou aqui a fazer?
Os meus gestos desajeitados revelam que é a minha primeira vez com uma mulher o que faz com que ela mude para uma atitude mais didáctica, mais encorajadora e, honra lhe seja feita, menos profissional.
- Relaxa, - diz com voz que chega a ser doce - eu ajudo-te. Risonha, talvez até contente e orgulhosa por ir tirar os três a um mancebo quase imberbe, revela que para mim se põe toda nua sem eu ter de pagar os vinte escudos que normalmente leva por este extra.
Eu já deitado, curioso, vejo os gestos leves com que se despe e revela para mim um corpo moreno, que desmente a cor oxigenada do cabelo, maduro, cheio sem ser gordo, as mamas grandes mas ainda firmes, o sexo bem camuflado atrás de um púbis escuro e farfalhudo para onde ela leva a minha mão para eu tocar, descobrir, aprender, como se faz a um cego quando lhe apresentamos um novo objecto, uma nova textura. Experiente, ela guia-me, indica-me o caminho, atrasa-me, muda de posição, atrasa-me outra e outra vez porque afinal as cervejas não estavam a surtir efeito.
Fecho os olhos e deixo-me levar por esta ternura que eu julgara impossível existir neste submundo e vou relaxando e abrindo os sentidos às novas sensações que me invadem em catadupa, em ondas de um prazer muito mais rico, mais forte do que aquele a que estava habituado a desfrutar na solidão da masturbação.
Foi a minha primeira e última experiência como cliente de cama tarifada de um bordel.