A Morte

Houve alguém que disse que a Vida é uma doença terminal. Sinto-me tentado a concordar, pois desde que nascemos caminhamos inexoravelmente em direcção à Morte. O que fazemos com a Vida é que é importante. Como fomos felizes, ou como fizemos felizes os outros é o único balanço possível de fazer na hora da despedida. É neste Deve e Haver que deveríamos concentrar a nossa atenção e intenção, para no fim, e mesmo durante, fazermos as contas e fecharmos os olhos com a satisfação do dever cumprido.
Confesso que este foi sempre o maior dos meus medos, o maior dos fantasmas que povoam os meus piores pesadelos. E o facto de hoje escrever estas linhas não é mais do que uma tentativa de exorcismo, de resignação, de auto preparação para a mais certa das certezas.
Mas a Morte fez avançar a humanidade. Em sua honra foram criadas quase todas as crenças, todas as religiões. Não existisse a Morte e os deuses não seriam precisos para nos garantirem (ou pelo menos nos darem esperanças) um mundo para além deste, uma vida para além desta, onde o prémio a receber, por uma vida dedicada à sua divindade, varia entre sentar-se à mesa do Senhor ou umas tantas virgens que nos esperam para a vida eterna.
Reconheço que enquanto acreditei, com uma fé incutida em doses contínuas de lavagem cerebral na catequese e depois no colégio de padres, o único bálsamo para a dor do desconhecido após a morte, era a certeza que a vida do Além, se merecida, seria muito melhor que esta vida terrena. Mas cresci, aprendi, duvidei, questionei, repensei, tentei, chorei!
A Fé inquestionável desapareceu, num chorrilho de mentiras da própria Igreja, da sua própria conduta. Numa crescente descoberta deste Planeta, deste Universo que nos alberga, que nos acolhe no seu seio, que só nos pede que o respeitemos e o preservemos para as gerações vindouras, impondo-se como a única verdade que vamos decifrando aos poucos e poucos, mas sem dogmas, sem mentiras.
Já imaginei vezes sem conta como irei morrer. O sortido é tão grande e variado que vou poupar-vos a uma lista entre o macabro e o surpreendente. Prefiro pedir-vos que quando a hora chegar, fiquem contentes por mim. Acho esse momento tão difícil que depois de passado deve ser um alívio, a maior prova superada. Quem cá ficar ainda terá esse desafio pela frente, ao passo que eu já o resolvi.
A única coisa que peço é que seja cremado, pois não imagino este corpo que fui tratando e venerando ao longo dos anos vá para um buraco apertado e frio, obrigando a família a visitas mais ou menos por obrigação aos fins de semana e nas datas da praxe. Prefiro que deitem as minhas cinzas ao mar, onde poderei surfar pela Eternidade (quem sabe se, com um pouco de sorte, não me agarro a algum bikini) e que nas datas dos aniversários os filhos, os amigos, as mulheres se reunam e contem entre si as minhas travessuras, as minhas piadas, as minhas loucuras.
E comam e bebem em minha memória!