Interfácio II

Como disse no Interfácio anterior esta escrita não é cadenciada nem regular, havendo largos períodos de bloqueio das palavras, seguidos de horas de inspiração ou de vontade de escrever provocadas por acontecimentos marginais mas que despertam em mim uma ânsia de pôr no papel aquilo que atravessa célere o pensamento e se faz urgência de expressão. Por vezes escrevo capítulos seguidos, outras vou saltando de capítulo em capítulo, outras ainda volto atrás para libertar uma memória que teimou em chegar atrasada.
Escrevo isto no dia em que uma amiga de longa data perde o pai inesperadamente, secamente, fulminantemente, incompreensivelmente. A sua figura encostada a um muro da capela mortuária, deslizando um pouco, mãos trémulas sobre as coxas, olhar semicerrado pela emoção, vergada pela crueza da Vida e da Morte, assumia ser um dos quadro vivos mais impressionantes, mais verdadeiros, mais emocionantes que tive o privilégio de partilhar. Lúcida, voz embargada pela dor, faz o elogio fúnebre do pai que partiu, conforta-se com a ideia que ele não sofreu, relembra em duas pinceladas os ensinamentos e conselhos paternos que, sabe, foram estendidos até aos seus próprios filhos e a muitos amigos, tudo isto com uma sinceridade límpida mais evidente por estar a falar só para duas pessoas: eu e outro amigo de adolescência.
Vieram-me por isso à lembrança as fugazes imagens do meu pai que poveiam por vezes o meu pensamento e decidi que está na hora de escrever o capítulo seguinte.