A Família Macedo

Seria de todo injusto se, neste meu livro, eu não fizesse uma referência a esta família que foi tão importante na minha formação social e na minha libertação do gheto onde eu vivia na rua do Sol com a minha mãe.
O Patriarca José Alves Macedo, era - na altura que o conheci como pai da minha namorada Margarida que anos mais tarde seria minha mulher e mãe de dois dos meu filhos - vendedor de electrodomésticos no Santos Guimarães & Oliveira, distribuidores de marcas como Grundig, Fagor e Candy. Uma profissão muito bem remunerada que lhe proporcionava condições para levar uma vida de lord. E sem dúvida que ele sabia tirar bom proveito da vida.
Oriundo da zona de Campanhã, assim como a sua mulher, Dª Conceição, tinha na sua Juventude sido um atleta de eleição no seu desporto favorito, o futebol. O jeito que tinha para dar uns pontapés na bola foi reconhecido pelos olheiros do Benfica e ele rumou à capital para fazer parte das novas esperanças do futebol encarnado. Por uma ou outra razão não vingou na equipa – estávamos no tempo do Coluna e do Eusébio – mas a sua estadia em Lisboa abriu-lhe concerteza os horizontes.
Ainda me lembro do dia em que nos encontramos pela primeira vez, para eu lhe ser apresentado como namorado da sua filha mais nova. Foi no restaurante Areal, em Miramar. Receoso - o respeito é muito lindo e o homem mandava um corpanzil de meter medo – lá fui entabulando conversa, tentando ter respostas acertadas para as perguntas que me ia fazendo. Consegui ser aceite e comecei a
frequentar a sua casa na Rua do Amparo, onde vivem até hoje.
Amante da boa vida e da boa mesa, um dos seus maiores prazeres era pegar na família toda e partir em direcção aos melhores restaurantes conhecidos. Foi com eles que propriamente aprendi a comer de faca e garfo, a colocar o guardanapo no colo, a descascar um camarão, a utilizar o alicate para abrir uma santola, apreciar um bom vinho, um bom queijo da serra e no fim um irish-coffe.
Deixem-me apresentar o resto da família. O Sr Macedo e da Dª Conceição tinham três filhos : a Margarida, a Fernanda, mais velha e o Zézito, o mais novo. Digo tinham porque, infelizmente, o Zé já não está mais entre nós.
A Dª Conceição era uma mulher prendada, tendo passado os seus conhecimentos às duas filhas. Não era preciso ir a um restaurante para se comer uns bons petiscos. Casa farta, deu-me muitas vezes de comer, matou-me a fome e deu-me a conhecer iguarias que eu nunca tinha visto nem provado.
O Zézito era fascinado pelo mundo Walt Disney e fazia colecção de livros de banda desenhada. Passei muitas tardes de ócio, no sofá da sala, a devorar histórias aos quadradinhos.
A Fernanda era na altura empregada de escritório na mesma firma do pai e sempre achou que este gostava mais da irmã mais nova. Conheceu pouco depois em Miramar aquele que viria a ser o seu marido e pai da sua filha Liliana, hoje uma mulher a quem eu insisto em chamar de Lila. Quando era mais pequena aborrecia-a cantando: ó Lila o teu pai tem pila, se não fosse a pila não havia a Lila!
Frequentar a praia de Miramar era na altura muito xique e a Família Macedo tinha sempre uma barraca alugada para todo o mês de Agosto. Na primeira fila da direita era, invariavelmente a segunda barraca mais perto do mar. Chegávamos cedo, perto das oito da manhã porque o Sr. Macedo tinha de ir trabalhar, não sem antes termos passado na Toca Doce, perto do Jardim de S. Lázaro, para comprarmos rissóis, bolinhos de bacalhau ou croquetes, uns lanches e uma dúzia de bolos para juntarmos ao resto do farnel que já ia de casa, pois iríamos ficar na praia até ao fim do dia, hora a que o Sr. Macedo chegava no seu Sinca 1501 amarelo para nos levar de volta a casa. Muitas vezes trazia com ele os petiscos para o jantar que podiam ser uma pescada fresca da Póvoa, um naco de carne do Gerês ou uns salpicões de qualquer lado mas sempre do melhor.
Que saudades de chegar cedo à praia, ela ainda virgem de pegadas, o cheiro da maré vaza, do cafézinho no bar da praia, a leitura do Notícias ainda com a
camisola vestida em manhãs frescas de nevoeiro. Que saudades!
O Homem de Miramar era o Américo, meu cunhado. Era uma daquelas pessoas a quem a sorte nunca sorriu, antes pelo contrário esta nunca o favoreceu. Dificuldades em arranjar trabalho levaram-no a separar-se da família, a filha ainda pequena, e a tentar a sua sorte na Suíça. Tentar, tentou. Mas a sorte estrangeira era igual à nacional e ele nunca consegui um daqueles futuros que outros tantos portugueses alcançaram. Pior que isso. Veio de lá doente, já em fase terminal devido a uma neoplasia da pele, um cancro que o matou em seis meses. Acompanhei conforme pude os seu últimos dias, admirando a estoicidade da Fernanda em ajudá-lo naquilo que podia. Lembro que mesmo perto do fim nos ríamos inocentemente das suas respostas completamente absurdas devido à doença já espalhada na sua pobre cabeça.
Lembro do dia final. Faleceu ao fim da tarde e eu ajudei a Fernanda a vesti-lo, a pô-lo pronto. Ficou essa noite deitado na sua cama – a funerária só ia buscá-lo no dia seguinte - e nós dormimos na sala ali ao lado. Uma experiência rara.
Este capítulo é um agradecimento a toda a família por me ter acolhido no seu seio, me ter educado, me ter proporcionado tantos momentos de verdadeiro prazer e conhecimento das coisas boas da vida. O Sr. Macedo ainda deve estar a perguntar porque é que depois de me conhecer o seu frasco de perfume Aramis começou a durar tão pouco tempo.
Um abraço!