Os Filhos

I

Um novo desafio enfrentado
na busca pelos cantos da memória.
Carinhos bem presentes do passado,
passados no presente desta estória.
Se for ele vencido, superado,
bem perto estarei duma glória
que poucos devem ter sequer ousado.
Por mim eu vou em frente, estou tentado

a pôr neste papel os sentimentos
que sente um pai feliz, todo babado,
por ter nos seus três filhos, seus rebentos,
o mesmo traço físico marcado.
Fazendo que, às vezes, por momentos
reveja em flashs meu passado.
Miúdo ou um jovem em tormentos,
já homem e perdido em pensamentos.

Amor como o de um pai é obra feita
por vários momentos que se guardam.
Carinho que se dá e que se aceita.
Por gestos subtis que nunca calam
as vozes que, da forma mais perfeita,
nos lembram, cada dia, como falam
os laços dum carinho que se estreita
à mínima maldade que espreita.

II

Começa com o Pedro esta façanha,
já quase trinta anos são passados.
Surpresa, alegria tão estranha,
senti, já com os braços esticados,
ao tê-lo num abraço que apanha
seu corpo e, com gestos delicados,
afaga e envolve e amanha
a base desta sólida montanha

de afectos que, ao longo duma vida,
se vão amontoando sem ter ordem.
São um todo, não peça dividida
em actos ou capítulos que podem
ser lidos duma forma pretendida.
Estão lá e eu sei que nunca fogem.
E voltam da maneira mais querida
num olá, num abraço ou despedida.

Cresceu e, de carinhos rodeado,
bem cedo, de criança bem pequena,
se viu como fora abençoado.
Cabelo preto e pele tez morena
de exótico ou índio apelidado.
A mãe ia fazendo uma cena
por terem-lhe na praia perguntado
se o pai dele era negro, africanado.

III

Passados poucos anos resolvemos:
- É hora de gerar outro rebento.
E se nós bem pensamos, bem fazemos,
conjugam-se a arte e o momento.
Passados alguns dias nós lá lemos
na ponta de um papel antes sedento
as riscas que indicam que já temos
certeza que de novo pais seremos.

De todos os meus filhos o Rui é
o único a ter sido programado,
pensado, imaginado e até
com mais expectativa esperado.
Que fosse uma menina tinha fé
pois já tinha um menino ao meu lado.
Espero, tiro o sono com café
à porta do Bloco estou em pé.

O malandro, com manias de grandeza,
não quis nascer na hora acertada.
Coloca a mãe gestante numa mesa
por médica, enfermeiras rodeada.
Menino! Nunca vi tanta beleza!
Confessa uma ajudante apressada.
Fazendo-me esquecer toda a despesa.
Vou pedir emprestado concerteza.

IV

Nem sempre de tão perto como queria
eu vi os dois crescerem, serem gente.
E tenho muita pena por um dia
perder o seu controlo de repente.
A vida tão madrasta, quem diria,
afasta-nos de quem a gente sente
que são a nossa força, a mais valia,
a linha por onde a Vida se guia.

Nunca se abriram muito para mim,
os seus segredos nunca me confiam.
Não sei porque agiram sempre assim.
Gostava de ajudá-los quando iam
ficando com perguntas sem ter fim.
Por certo as respostas não valiam
se fossem apontadas só por mim.
Se fossem pelos outros, isso sim.

Angústia que ainda hoje prevalece
quando me dão resposta negativa
se peço qualquer coisa, uma prece,
ajuda, um favor, alternativa.
Ás vezes estou só !!! E não parece,
talvez pela atitude positiva
com que enfrento o Mau e o Stress.
Mas penso ser um pai que bem merece.

Estão os dois já bem encaminhados.
Abertos os caminhos do futuro
devem continuar ajuizados.
Estudem e derrubem esse muro
que está entre o Sucesso e os falhados.
Se muito trabalharem eu auguro
um bom final. E ficam avisados:
Serão sempre meus filhos bem amados!

V

Ainda quis o Amor enriquecer
aVida e num só golpe, de repente,
de dois passam a quatro a merecer
cuidados, protecção e a semente
da árvore que mais tarde possa ter
os frutos que os vão levar em frente.
Para já é ajudá-los a crescer,
criá-los como fossem do meu ser.

Cláudia veio já rapariguinha,
estava, assim dizer, meio criada.
Tentei eu educá-la como minha
mas pouco adiantou, foi quase nada.
Não sei onde eu errei, se culpa tinha,
se foi por ela mal aproveitada
a força da amizade que a acarinha
até hoje que é já crescidinha.

Ao Paulo pouco pude orientar,
é mais visita de fim de semana.
Quando chegou a hora de optar
ficou perto do pai, da avó que ama.
Mas conseguimos sempre cimentar
uma amizade que hoje não engana.
Para ele estou aqui se precisar.
Acho que ele está lá se eu chamar.

VI

Nasceu já bem mais tarde a Susaninha,
por isso aqui ficou perto do fim.
Contava que nascesse uma menina.
A carta, aberta e lida no jardim,
dizia, em sua letra miudinha,
o sexo e, quanto a todo o resto, sim
podia a mãe ficar descansadinha:
- Está tudo normal, dentro da linha.

Mas eu nem acredito na leitura
e leio então mais uma e outra vez.
Queria outro menino, que loucura!
Parece que a vida tudo fez
para dar novo sentido à aventura
de ser pai e coloca-me um revés
que logo se transforma em ternura
que hoje prevalece, ainda dura.

Queria ser amigo ideal
na hora de chegar a brincadeira
da bola, do pião, mas afinal
só vou lavar bonecas na banheira.
As Barbies que lhe dão cada Natal
são tantas, ainda digo alguma asneira,
Estão por todo o lado. Não faz mal:
Sou pai de uma filha sem igual.

Ternura e meiguice e amor
trocamos dia a dia, vida fora.
E tudo tem ainda mais sabor
ao ter perto de nós quem nos adora.
O mundo tem mais riso, tem mais cor
por ter o seu carinho a toda a hora.
Espero tê-lo quando o sol se pôr.
Ajuda para sanar a minha dor.

VII

Para todos uns conselhos no final:
A força do Trabalho é que empurra
a Vida para a frente e, por sinal
o povo diz: - Para trás mija a burra!
E vão enchendo sempre o bornal.
O Pão guardado não vos empanturra
e pode ser preciso se algum Mal
trouxer para vós a Fome ou coisa igual.

Nos dias de mais forte turbulência
não deixem o desânimo chegar.
Vão ver que com um pouco de paciência
a Vida não é feita de Azar.
A Sorte, como Eurekas!!! na ciência
encontra-se depois de procurar.
Não deixem o Amor ir à falência,
amai até bem perto da demência.

Amor pelas pessoas, concerteza,
que podem ser amigos ou amantes.
Não passem toda a Vida à defesa,
ataquem, façam coisas fulgurantes.
Arrisquem, não escondam sob a mesa
os trunfos que podiam jogar antes.
Os Ases são vocês, eis a beleza
dum jogo que se joga com pureza.

A Vida só se aprende, não se ensina.
Por mais que queira ser bom professor
só tenho a pouca força desta rima:
- Fazei tudo na Vida com Amor!!!
E cada qual escreva sua Sina
fazendo sempre mais e bem melhor,
pois o Caminho é sempre para cima.
Palavra deste Pai que vos estima.